Entrevista para a folha de Sala para a exposição - 5 Artistas em Sintra - Nextroom, Lisboa


5 Artistas em Sintra 
MARTINHO COSTA, LUÍS NOBRE


(c)DMF


São os primeiros a inaugurar no Next Room. Configuração #1 - 5 artistas em Sintra foi criada especificamente para este espaço? Quais foram os motivos desta escolha?

Martinho Costa: Sim, a exposição foi feita especificamente para o espaço. O que poderemos ver nesta primeira intervenção no Next Room, é uma exposição que junta a pintura, a fotografia documental e o desenho para configurar uma instalação, no 3º piso do edifício do Nextart. Estes trabalhos foram desenvolvidos por mim e pelo Luís Nobre, em colaboração.

Já há algum tempo tinha vontade de dialogar com a pintura dos Cinco Artistas em Sintra,
obra da autoria de Cristino da Silva, que estudei nas penosas aulas de História da Arte Portuguesa, na faculdade. Esta pintura representa um conjunto de artistas que é praticamente toda a geração dos artistas plásticos do movimento romântico português. A obra foi composta de uma forma muito cuidada, de tal forma que poderemos retirar algumas leituras sobre as intenções do seu autor (aposto que tinha as meninas do Velasquez na cabeça).
Vejo nesta espécie de mise-en-scéne, um “statement” sobre a condição do artista que o romantismo veio anunciar: alguém que procura na natureza um escape, uma evasão da realidade e, nesse espaço de recolhimento, a projecção dos estados de alma. É curioso notar que, entre os artistas, encontramos algumas pessoas do povo, mas apenas os artistas parecem dar-se conta de que têm uma “câmara” apontada, como um observador que os contempla. Apercebo-me que o autor colocou na tela alguns elementos da gramática do romantismo: a paisagem com um castelo ao fundo, um penedo gigante, irreal, que quase parece uma nuvem, uma atmosfera difusa de fim de dia.
Antes de pensarmos na dinamização deste novo espaço do Nextart, a minha ideia era ainda muito indefinida: faria um diálogo com a pintura, sob a forma de uma intervenção ao ar livre (do meu projecto das Pinturas ao Ar Livre),ou sob a forma de pintura de atelier. Acabei por optar pelas duas possibilidades.

Pelo facto do Next Room ser um espaço ligado a uma escola de artes, pensei que esta pintura poderia ser um óptimo ponto de partida. Vejo nela uma certa cristalização da imagem do artista. Na pintura aparece um dos artistas a desenhar perante o olhar pasmado de alguns dos camponeses. O pintor surge-nos aqui como alguém dotado de um talento extraordinário, um ser fora da sociedade, muitas vezes incompreendido. Todo um conjunto de clichés que os românticos evidenciaram, apesar de já estarem há muito instituídos (desde o momento em que os artistas começam a assinar as suas obras). Algo que o Nextart, enquanto escola de arte, consegue desmistificar.

O Luís também tem interesse por uma certa revisitação do passado, além de uma enorme sensibilidade para intervenções no espaço. Decidimos, por isso, juntar as nossas diferentes abordagens num processo de contaminação, estabelecido desde o início, o qual seria desenvolvido numa expedição a Sintra. Essa viagem IC19 acima foi devidamente documentada através de fotografias. A exposição é composta pela conjugação dos trabalhos produzidos por cada um de nós e pela documentação da intervenção feita em Mira Sintra, com o Castelo da Pena como pano de fundo.


Com esta intervenção estão a tematizar questões ligadas ao Movimento Romântico. Quais são essas questões e por que motivo vos interessam?

Luís Nobre: Na realidade este projecto é mais do que a intervenção que vemos neste espaço. Interessou-nos todo o processo, desde o trabalho em atelier até à procura de um local/situação que se aproximasse ao enquadramento da pintura 5 Artistas em Sintra de Cristino da Silva.

Reequacionámos a leitura da pintura citada, baralhando os valores simbólicos da Paisagem desenvolvidos pelo Romantismo (noção de escala, perspectiva, a relação do homem com os elementos da natureza, …)

M.C. : Gosto de pensar nesta procura de um local de que o Luís fala, como uma espécie de deriva, uma viagem sem destino definido, nem finalidade concreta. Penso que esta viagem, inspirada pela pintura do Cristino da Silva, foi quase ensaística, no sentido de tentar desmontar a aura do autor que, como disse antes, está ainda presente na forma como este é olhado pelo público em geral. No meu trabalho Pintura ao Ar Livre feita em Mira Sintra,Câmara Clara, o artista está em pleno acto de representação através do desenho. É auxiliado nessa tarefa, por vezes difícil, por esse mecanismo que eu ensino a usar descomplexadamente aos meus alunos no Nextart.

L. N. :Considero o trabalho de atelier extensível a outros contextos, os elementos que influenciam os mecanismos durante esse processo alargam as possibilidades de execução/interpretação tendo em atenção uma série de factores em que o acaso e a rápida solução de problemas assumem importância extraordinária.


As temáticas abordadas em Configuração #1 – Cinco Artistas em Sintra fazem parte dos temas habituais do vosso trabalho? Como podemos contextualizar este projecto com o vosso percurso artístico? E porque decidiram desenvolver o trabalho em colaboração?

L.N. : Desde que o Martinho e eu nos conhecemos numa exposição em Madrid houve uma empatia que acabou por resultar neste projecto. Embora trabalhando com médiuns diferentes, em Configuração #1 o desenho e a pintura constroem uma unidade que põe em causa os conceitos tradicionais de ambos os processos artísticos.

M.C. : No meu caso, faço muitas vezes diálogos com o passado. Quer seja com artistas ou obras específicas: A Jangada da Medusa de Gericault, no projecto das Pinturas ao Ar Livre, ou com Fontainebleau e a ideia de paisagem, revisitando um local específico no Google Earth de uma pintura de Monet. Outras vezes procuro temas da história da arte, como no caso da minha série Ruína, onde procuro imagens na internet de edifícios em escombros. 

L.N. : Interessa-me re-contextualizar a obra de arte, recuperando directrizes que aproximam as artes visuais à arqueologia, a interpretação de um artefacto/peça está, invariavelmente relacionado com os significados que conseguimos encontrar, através da dissecação das camadas que os sustentam.  

M.C. : O Luís Nobre é um artista que tem um trabalho que me parece muitas vezes citar o passado, criando espaços de confluências de fragmentos. O fragmento enquanto dispositivo é algo que me parece ser muito usado nas suas instalações. Se há um conceito de excelência no romantismo, é precisamente o de fragmento! O movimento romântico da transição do sec XVIII para o séc. XIX foi fascinado pelos vestígios e pelas ruínas do passado. Isso materializava-se depois numa revisitação ficcionada (o capricho), encenando, através da imaginação do artista,  elementos do passado clássico.
Ora, o que nós quisemos fazer aqui foi como que se fosse uma revisita ao passado, uma encenação, mas não uma cenografia, sob a forma de uma viagem. A procura de um possível local ou ponto de vista, no qual a pintura de Cristino da Silva em 1855 poderia ter sido feita. Uma espécie de Grand Tour a uma escala suburbana...

Extracto da entrevista realizada por Teresa Rutkowski, coordenadora pedagógica do Nextart, em Maio de 2013.