“… nous aboutissons aujourd’ hui à la suprèmatie de la
lumière, à la mesure toujours plus exigeante de sa vitesse de propagation, pour
tenter de projecter la forme-image d’ un milieux naturel où les longuers
d’espace et de le distances de temps sont fondues/confundues dans une
représentation purement numérique, une image
synthétique qui n’ est plus de l’orde de l’ observation directe, ni même de
l’ ordre de la visulatization optique innovée par Galilée, mais celui de
récepteurs électromagnétiques, ou encore, d’ analyseurs de spectres et de
«fréquences-mètres» dont l’ aqcquisiton de données est elle-même pilotée par
ordinateur.”
VIRILIO, Paul – L’
Espace Critique, Christian Bourgois Éditeur: Paris, 1984, pp.: 49-50.
Os trabalhos recentes de Martinho
Costa procuram recriar pela pintura as imagens virtuais de jogos de computador[1],
“reflectindo sobre as condições de possibilidade da pintura na sua relação com
os meios digitais.”[2].
Esta experiência pretende inquirir o potencial pictórico e visual das imagens
desses jogos, onde a simulação dos ambientes de batalhas e das paisagens recriam
uma esteticização dos factos históricos, recriando uma nova realidade/ficção.
As imagens dos jogos de
computador seleccionadas apresentam paisagens idílicas, sintetizando e
documentando factos ocorridos em determinados contextos históricos. A
reprodução é feita na maior parte dos casos num plano aéreo, abarcando diversos
cenários: uma estrutura fortificada, uma paisagem costeira ou uma cena de caça.
O conjunto de elementos recolhidos apresenta-se estilizado, compondo quadros
estáticos de diferentes imagens de jogos, convertidas sob a forma de paisagens fictícias.
O recurso à pintura de óleo e ao
formato de retábulo (remetendo para a ideia de retábulo pré-renascentista) como
forma de recapturar estas imagens, teve intencionalmente o propósito de
deslocar a imagem virtual[3], para
fora do seu campo privilegiado, o computador. A transferência da imagem de um
médium dominante no mundo contemporâneo para um género de pintura em desuso, coloca
em confronto dois meios distintos de representar a realidade: a primeira, a
imagem digital como simulacro do real, e a segunda, a imagem reproduzida segundo
os cânones da representação clássica.
A confrontação entre estas duas realidades
não se apresenta clara ao espectador, porque a desígnio do artista foi agregar
os elementos de cada um dos média, manipulando-os. A pintura resultante desse
processo tem um carácter ilusório, com paralelos com a banda desenhada, na qual
a estrutura e a linguagem computacional não deixam de estar presentes,
contribuindo para ludibriar a nossa recepção/contacto com estas formas de
paisagem.
O processo pictórico reproduz a
composição de uma imagem digital, cujo suporte tem uma linguagem puramente numérica,
subordinando à partida as condições reais da pintura. A pintura/imagem
reproduzida, mantendo a sua essência morfológica (pixel)[4],
confronta-nos por um lado com a imagem gráfica de um jogo de computador e, por
outro, com a pintura como extensão dessa realidade.
Trata-se de um jogo cínico, no
qual a consciência crítica do artista comanda a acção, dado que a pintura formaliza
a imagem virtual codificada e estetizada e converte-a numa potencial narrativa
histórica. O significado da imagem procura pontos de ligação com a nossa
cultura, mas também pretende provocar a consciência crítica do jogador/espectador,
que se vê compelido a discutir a autenticidade das imagens, nas quais o espaço
representado não se apresenta cartografável, tendo uma origem virtual fabricada
e manipulada.
A imagem final apresenta uma
aparência lúdica e agradável, produzindo um novo tipo de realidade (histórica
ou não), visto que o processo de conversão da imagem virtual do jogo de computador
para a pintura convocou o aleatório dessa imagem, perdendo-se a referência ao
seu contexto. Os títulos das obras remetem-nos inclusive para o vazio, valendo-nos
apenas a paisagem puramente visual.
As pinturas apresentam também analogias
em termos formais com os trabalhos do artista neo-impressionista[5], Georges
Seurat. O método de pesquisa procede de uma visão científica, cujo efeito se
expressa através de uma imagem complexamente organizada, composta por um
elevado número de ínfimas partículas (cores) justapostas (pixel). Embora esta
referência se manifeste de forma involuntária no trabalho de Martinho, as
preocupações estéticas/formais que estiveram na base da construção da imagem
digital passaram de forma vigorosa para a pintura deste. A pintura apropriou
incondicionalmente a panóplia de influências que os criadores e programadores
de jogos de computadores usaram para criar o cenário virtual dos jogos de
computador.
A apropriação da imagem do jogo
de computador para a pintura reequaciona, assim, a concepção do real na
sociedade contemporânea e o seu carácter transitório/fugidio. A dimensão
corpórea e estática que a pintura lhe confere não suprimem a sua origem
digital, coagindo o espectador a criar pontos de identificação num campo já de
si demasiado intrincado[6].
Em suma, o trabalho de Martinho posiciona-se
numa situação de limiar, localizado justamente entre a imagem digital e o
processo pictórico da sua representação. Nessa fronteira, o artista pesquisa as
fragilidades de um sistema deslumbrado pela imagem virtual, utilizando a
pintura como receptáculo, questionando por este meio o papel dos meios digitais
sobre a nossa percepção da realidade, da história e em última análise da
paisagem.
[1]
O mesmo tópico tem sido trabalhado pelo artista de origem grega, Miltos
Manetas, desde a década de 90. A abordagem deste artista tematiza o universo
das tecnologias computacionais e os jogos de computador, através da pintura
enquanto médium de reflexão sobre as diversas formas de extensão do real. Miltos Manetas – “Copying Videogames
is the Art of Our Days”, in www.manetas.com,
2004.
[2]
Excerto de um texto inédito do próprio artista, Völkerwanderung – Projecto de realização artística em pintura, Lisboa,
2006.
[3]
Imagem com código de informação numérica com grande capacidade de reprodução e
manipulação.
[4] O pixel em rigor trata-se de um código de informação
numérica que possibilitou uma revolução no ambiente de trabalho dos
computadores, permitindo criar o dinamismo no processamento de texto e imagem e
representar tridimensionalmente o espaço, mas mais importante possibilitou o
imaterial tornar-se material, William J. Mitchell – E-topia Urban Life, Jim – but not as we Know it, Massachussetts: MIT
Press, 2000, p. 41.
[5]
O neo-impressionismo teve uma difusão europeia, no contexto da qual se insere o
divisionismo. A teoria do divisionismo apresenta uma relação forte com a arte
do Século XX, tendo sido percursora da televisão e da imagem digital.
[6]
Este processo convoca o conceito de dupla artialização desenvolvido por Alain
Roger relativamente à percepção da paisagem: artialização in situ (no terreno)
e artialização in visu (através do olhar). In Alain Roger – “Histoire d’ une Passion Théorique ou Comment on
devient un Raboliot du Paysage”, in Cinq
Propositions pour une Théorie du Paysage, sur la direction de Augustin
Berque, Paris: Champ Vallon, p. 115.